Cadê a água que estava aqui? Esta foi uma pergunta recorrente que os cientistas do MapBiomas se fizeram após análise de imagens de satélite de todo o território nacional entre 1985 e 2020. Os dados, que estão disponíveis aqui, indicam uma clara tendência de perda de superfície de água em todas as regiões hidrográficas, em todos os biomas do País.

Ao todo, a retração da superfície coberta com água no Brasil foi de 15,7% desde o início dos anos 90, caindo de quase 20 milhões de hectares para 16,6 milhões de hectares em 2020. Embora essa área seja equivalente ao estado do Acre ou quase 4 vezes o estado do Rio de Janeiro, desde 1991, quando chegou a 19,7 milhões de hectares, houve uma redução de 15,7% da superfície de água no país. A perda de 3,1 milhões de hectares em 30 anos equivale a uma vez e meia a superfície de água de toda região nordeste em 2020.

O coordenador do MapBiomas Água, Carlos Souza Jr., comenta que o resultado é bastante preocupante porque o sinal de tendência de redução de água no Brasil, com os dados de satélites, é bem claro. “As evidências vindas do campo já indicam que as pessoas já começaram a sentir o impacto negativo com o aumento de queimadas, impacto na produção de alimentos, e na produção de energia, e até mesmo com o racionamento de água em grandes centros urbanos”, alerta.

Segundo o pesquisador, são vários fatores que podem explicar a redução de superfície de água no Brasil nos últimos 36 anos. “A dinâmica de uso da terra baseada na conversão da floresta para pecuária e agricultura interfere no aumento da temperatura local e muitas vezes altera cabeceiras de rios e de nascentes, podendo também levar ao assoreamento de rios e lagos. A construção de represas em fazendas para irrigação, bebedouro ao longo de rios diminui o fluxo hídrico; e, em maior escala, as grandes represas para produção de energia, com extensas superfícies de água sujeitas a processos de evapotranspiração que leva a perda de água para atmosfera”, diz.

O estado com a maior perda absoluta e proporcional de superfície de água na série histórica analisada pela equipe do MapBiomas foi o Mato Grosso do Sul, com uma redução de 57%.  Se em 1985 o estado tinha mais de 1,3 milhão de hectares cobertos por água, em 2020 eram apenas pouco mais de 589 mil hectares. Essa redução se deu basicamente no Pantanal, mas toda a bacia do Paraguai perdeu superfície de água. Em segundo lugar está o Mato Grosso, com uma perda de quase 530 mil hectares, seguido por Minas Gerais, com um saldo negativo, entre a água que entrou e a que se esvaiu, de mais de 118 mil hectares.

O Pampa, apesar de ser o menor bioma brasileiro, é o que possui a terceira maior área de superfície de água, principalmente em função das grandes lagoas costeiras, a Lagoa dos Patos, a Lagoa Mangueira e a Lagoa Mirim. A  Lagoa dos Patos representa em torno de 56% da superfície de água do bioma e as três lagoas juntas representam mais de 81% da superfície total de água.

No Pampa há uma grande densidade de reservatórios artificiais para uso na irrigação do cultivo de arroz, construídos, em sua maioria, antes de 1985. No período de análise da plataforma, houve continuidade na criação de novos reservatórios, com destaque para municípios como Dom Pedrito e Uruguaiana, ambos no Rio Grande do Sul.

A construção de reservatórios artificiais, no caso do Pampa, não implica em perda de água no bioma, segundo Juliano Schirmbeck, professor e integrante das equipes MapBiomas Pampa e MapBiomas Água. “Pelo contrário, tende a aumentar a quantidade de água superficial presente. Os potenciais impactos negativos destes reservatórios estão associados a alterações das redes de drenagem naturais, reduzindo a quantidade de água e suas variações características ao longo do tempo em pequenos riachos, com consequências indesejadas para a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos”, explica.

Dentre os biomas, o Pampa é o que apresenta a menor tendência de redução da superfície de água, com somente pouco mais de 1% da área total de água no bioma. “Em termos absolutos, parte das perdas observadas no período foram compensadas pelo aumento no número de reservatórios. Em termos relativos, essa tendência tende a ser pouco expressiva também por conta da presença da grande massa de água nas lagoas costeiras”, comenta o pesquisador.

De modo geral, a perda da superfície de água natural por causa da água armazenada em estruturas construídas pelo homem tem consequências preocupantes na alteração do regime hídrico, afetando a biodiversidade e a dinâmica dos rios. O Pantanal é um desses exemplos, com a construção de hidrelétricas nos rios que formam o bioma. Porém, há dezenas de outras barragens projetadas para esta região, com pouca contribuição para o sistema elétrico e um grande potencial de impactos.

Contudo, ainda é possível reverter esses processos com políticas e gestão de recursos hídricos. “O primeiro passo é ter um diagnóstico do problema na escala de bacias hidrográficas para identificar quais fatores estão comprometendo a disponibilidade de recursos hídricos. Segundo, é possível desenvolver um plano de ação multissetorial para mitigar e até mesmo reverter o problema. Mas, não podemos nos esquecer que boa parte da solução vai depender em reduzir as emissões de gases estufa para controlar o aumento da temperatura global”, acrescenta o coordenador do MapBiomas Água.

Onde está a água no Brasil 

O Brasil possui 12% das reservas de água doce do planeta, constituindo 53% dos recursos hídricos da América do Sul. Existem 83 rios fronteiriços e transfronteiriços, assim como bacias hidrográficas e aquíferos. As bacias hidrográficas transfronteiriças ocupam 60% do território brasileiro.

O bioma com a maior área coberta por água no Brasil é a Amazônia, com mais de 10,6 milhões de hectares de área média, seguido pela Mata Atlântica (mais de 2,1 milhões de hectares) e pelos Pampas (1,8 milhão de hectares). O Pantanal ocupa a quinta posição, com pouco mais de 1 milhão de hectares de área média, atrás do Cerrado (1,4 milhão de hectares).

Sobre o MapBiomas Água

Trata-se de uma iniciativa inédita de mapeamento territorial da dinâmica da água superficial e de corpos hídricos para todo o território nacional desde 1985. A exemplo do MapBiomas Fogo, a série Água processou mais de 150 mil imagens geradas pelos satélites Landsat 5, 7 e 8 de 1985 a 2020. Com a ajuda de inteligência artificial, foi analisada a área coberta por água em cada pixel de 30 m X 30 m dos mais de 8,5 milhões de quilômetros quadrados do território brasileiro ao longo dos 36 anos entre 1985 e 2020, distinguindo os corpos hídricos naturais e antrópicos. Ao todo, foram 108 terabytes de imagens processadas, revelando áreas, anos e meses de maior e menor cobertura de água. O método também permite identificar a área com água em cada mês em todo o período, bem como as transições e tendências.  Os dados podem ser encontrados em mapas e estatísticas anual, mensal e acumulada em para qualquer período entre 1985 e 2020 na plataforma https://mapbiomas.org/, aberta a todos.

 

Fonte: MapBiomas Brasil